Tem notícias que parecem piada de internet, daquelas que a gente vê no feed e pensa: “Isso deve ser meme”. Mas aí você clica, lê a matéria e percebe que a realidade, mais uma vez, superou a ficção. A de hoje foi exatamente assim. Abro os portais de notícia e dou de cara com a manchetes sobre: “Trump e sua mão maquiada“.
Minha primeira reação foi um riso contido. Sério? Com tantos assuntos fervilhando no mundo – economias balançando, tensões geopolíticas, a revolução da inteligência artificial –, a gente para pra discutir a maquiagem na mão de um dos homens mais poderosos do planeta. Mas depois do riso, veio a curiosidade. E, com ela, uma reflexão que vai muito além da cor da base ou do pó compacto.
A imagem é quase cômica: a palma da mão direita do ex-presidente dos Estados Unidos, agora de volta aos holofotes, manchada com o mesmo tom alaranjado característico de seu rosto. Segundo a reportagem, não é um erro, um descuido de um maquiador apressado. É uma técnica. Ele aparentemente aplica a base no dorso da mão e usa a outra para espalhar no rosto, mas, na correria, acaba ficando com esse “vestígio” na palma.
Ok, o mistério técnico está resolvido. Fim da história? Que nada. É aqui que a história de verdade começa. Porque essa mancha de maquiagem é uma metáfora perfeita para a política moderna: uma tentativa constante de construir uma imagem que, vez ou outra, deixa escapar uma falha, um borrão que revela o truque por trás da mágica.
O Rosto Público e a Mão Suja (de Base)
Vamos ser sinceros: todo mundo que aparece na TV usa maquiagem. Apresentadores de jornal, atores, entrevistados, políticos. É o básico da produção de vídeo pra evitar que o brilho da pele estoure com a luz forte dos refletores. Nenhuma novidade aí. Ninguém espera que um líder mundial acorde com aquela pele de pêssego impecável que a gente vê nos discursos.
A questão com Trump sempre foi outra. A maquiagem dele não é discreta. Ela não busca a naturalidade. Ela é uma declaração. Aquele tom de bronzeado artificial, o cabelo meticulosamente arrumado… tudo faz parte da construção de uma persona, uma marca registrada tão reconhecível quanto o logo da Coca-Cola. É o personagem “Donald Trump” em sua máxima potência.
E a mão manchada? Ela é o backstage do espetáculo. É o ator saindo do palco e esquecendo de tirar o figurino. Pra mim, isso diz muito sobre a era em que vivemos. A gente se acostumou tanto com a performance, com a imagem cuidadosamente curada nas redes sociais e na mídia, que quando um detalhe do mundo real vaza, ele vira notícia.
Lembro de uma vez que fui a uma palestra de um cara que eu admirava muito no meu ramo. No palco, ele era um gigante: eloquente, confiante, parecia ter a resposta pra tudo. Depois, por um acaso, encontrei com ele no banheiro do evento. Ele estava de frente para o espelho, ajeitando a gravata, e murmurando pra si mesmo, com uma cara de pânico: “Você consegue, você consegue, não gagueja”. Naquele momento, o super-herói virou gente. E, quer saber? Passei a admirá-lo ainda mais. Aquela vulnerabilidade o tornou real.
A mão de Trump, de certa forma, é isso. É a fresta na armadura. É o lembrete de que aquela figura imponente, que discursa para milhões, também é um ser humano que, como muitos de nós, se preocupa com a aparência a ponto de usar um truque rápido pra passar maquiagem.
Por Que a Aparência Importa Tanto?
É fácil julgar e dizer que isso é pura vaidade, futilidade. Mas seria simplista demais. A imagem no meio político é uma ferramenta de poder. Desde os tempos dos faraós e imperadores romanos, a forma como um líder se apresenta comunica uma mensagem. Força, estabilidade, sabedoria, ou, no caso de Trump, uma imagem de “outsider” bem-sucedido, um bilionário que não se curva às convenções, nem mesmo às de um tom de pele natural.
A aparência dele, por mais que seja alvo de piadas, funciona para a base de apoiadores dele. Comunica que ele não pertence àquela elite de Washington, com seus ternos cinzentos e discursos polidos e ensaiados. Ele é… diferente. A maquiagem, o cabelo, o boné vermelho, tudo grita a mesma mensagem.
E nós? Como a gente entra nessa história? Nós somos a plateia desse grande teatro. E, como plateia, a gente também tem nossas vaidades e nossas máscaras.
- No trabalho: Quem nunca treinou uma apresentação na frente do espelho, escolheu a “roupa de reunião importante” pra passar mais confiança?
- Nas redes sociais: A gente posta a foto das férias, do prato bonito no restaurante, do momento feliz. A gente raramente posta a foto da pia cheia de louça ou da cara de preocupação com os boletos.
- Nos relacionamentos: No primeiro encontro, a gente mostra a nossa melhor versão. O nosso “rosto maquiado”. A intimidade de verdade só vem quando a gente se sente à vontade pra “tirar a maquiagem” na frente do outro.
Não estou, de forma alguma, comparando nossas pequenas vaidades do dia a dia com a construção de imagem de um líder global. A escala é outra, as consequências são outras. Mas a essência do mecanismo é a mesma: a busca por apresentar ao mundo uma versão controlada de nós mesmos.
A Autenticidade é Possível na Política?
Esse episódio todo me deixa com uma pergunta martelando na cabeça: a gente quer, de verdade, líderes 100% autênticos?
A gente diz que sim. Que estamos cansados de políticos que falam uma coisa e fazem outra, que parecem robôs lendo um roteiro. Mas será? Se um candidato aparecesse com olheiras, cabelo bagunçado, roupa amassada, dizendo que passou a noite em claro preocupado com o orçamento do país, ele seria eleito? Ou a gente o veria como fraco, despreparado, alguém que “não aguenta o tranco”?
É uma sinuca de bico. Exigimos autenticidade, mas recompensamos a performance. Queremos a verdade, mas nos seduzimos pela embalagem.
A mão manchada de Trump, no fim das contas, não vai mudar o voto de ninguém. Seus apoiadores talvez vejam como mais uma prova de que ele é “gente como a gente”, que se vira como pode. Seus opositores verão como um símbolo de sua artificialidade, de sua vaidade, de seu despreparo.
Para mim, fica o lembrete. O lembrete de que, por trás de cada discurso inflamado, de cada decisão que afeta milhões, de cada foto oficial, existe uma pessoa. Com suas inseguranças, suas vaidades e, às vezes, com um pouco de maquiagem borrada na mão. E talvez, só talvez, prestar atenção nesses pequenos detalhes nos ajude a enxergar o todo de uma forma um pouco mais… humana. Menos teatral. E isso, eu acho, já seria um grande avanço.