Sabe quando você está preparando uma salada e, por mais que tente, o azeite e o vinagre insistem em não se misturar direito? Eles dançam ali, lado a lado, formando gotículas distintas, cada um no seu canto, meio que se tolerando, mas jamais se tornando uma coisa só. A gente balança o pote com força, tenta o garfo, mas em poucos minutos a separação volta, inevitável. Sempre achei curioso como essa imagem, tão trivial na nossa cozinha, pode ser uma analogia perfeita para certas dinâmicas humanas, especialmente aquelas envolvendo conflitos de titãs.
Essa cena culinária me veio à cabeça outro dia, enquanto eu lia sobre uma observação particular. Alguém, com um jeito bem peculiar de se expressar, disse que dois líderes globais – Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky – eram como “óleo e vinagre”. E mais, confessou que, se fosse para mediar um encontro entre os dois, preferiria nem estar presente.
Uau. Na hora, a gente pensa: “Que sinceridade brutal!” ou “Mas não é justamente esse o trabalho de um líder, tentar resolver o impossível?”.
Confesso que a primeira reação foi um misto de surpresa e um leve riso amarelo. Afinal, quem nunca quis fugir de uma briga alheia, não é mesmo?
A Metáfora do Azeite e Vinagre: Além da Cozinha
Vamos mergulhar um pouco mais fundo nessa imagem do azeite e do vinagre. Quimicamente, sabemos que um é polar e o outro apolar, por isso a dificuldade de mistura. É uma questão de natureza. Eles simplesmente são diferentes em sua essência. Transpondo isso para o mundo das relações humanas, e mais ainda, para o cenário geopolítico, o que significa dizer que duas pessoas são “óleo e vinagre”?
Significa que suas visões de mundo, seus interesses, suas histórias e até suas personalidades são tão fundamentalmente distintas que a chance de uma verdadeira fusão, de um consenso genuíno, parece remota. Não é apenas uma desavença pontual; é uma incompatibilidade estrutural. É como tentar encaixar peças de quebra-cabeça de jogos diferentes – pode até parecer que cabe, mas nunca se encaixa perfeitamente.
E é aí que a coisa fica interessante. Porque, numa salada, o azeite e o vinagre podem até não se misturar, mas a gente consegue criar um molho gostoso, né? Um bom vinagrete precisa dos dois, mas também de uma pitada de sal, uma erva, talvez um toque de mostarda, que funciona como um emulsificante, ajudando a segurar a união por mais tempo. Esse “emulsificante” é o que me intriga. No mundo real, nas grandes negociações, o que seria esse elemento que, mesmo sem fundir as partes, as mantém em uma convivência (ainda que tênue) minimamente funcional?
- Pode ser a pressão externa: A opinião pública global, sanções, ameaças de outros atores.
- Pode ser o esgotamento: Aquele ponto em que as partes estão tão cansadas de brigar que aceitam um armistício, mesmo que temporário.
- Pode ser um interesse maior: Aquele fio de esperança de que existe um benefício mútuo em parar a guerra, por mais que doa ceder.
A analogia, por mais simplista que pareça, nos força a pensar: existe algo, um “ingrediente” secreto, capaz de transformar a tensão entre “óleo e vinagre” em algo palatável, ou estamos fadados a vê-los sempre separados, flutuando em um prato de conflito?
O Dilema do Mediador: Uma Sina Ingrata?
E a confissão de preferir não estar presente? Ah, essa é a parte que toca fundo. Pra ser sincero, eu mesmo já passei por isso em escala bem menor, claro. Lembro de uma vez que tentei mediar uma discussão acalorada entre dois amigos muito teimosos, o Pedro e a Carla. Eles estavam brigando por um mal-entendido bobo, mas a coisa escalou para uma discussão de princípios, de lealdade, sabe? Eu, no meio, tentando apaziguar, apontar o lado de um para o outro, e o que aconteceu? Acabei levando bronca dos dois! Pedro achou que eu estava defendendo a Carla, e Carla achou que eu estava sendo condescendente com o Pedro.
Saí da sala pensando: “Nunca mais me meto em briga de casal… ou de amigos, no caso!”.
Multiplique isso pela escala de países, vidas humanas, bilhões de dólares e séculos de história. Entende por que alguém possa pensar “prefiro nem estar presente”? A tarefa de um mediador entre duas partes tão antagônicas, tão “óleo e vinagre”, é das mais ingratas. Você se torna um para-raios de frustrações, o alvo das desconfianças de ambos os lados. Se a mediação falha, a culpa recai em você. Se tem algum sucesso, as partes geralmente se vangloriam da sua própria sagacidade, e o mediador é esquecido ou minimizado.
Mas, ao mesmo tempo, não é o que se espera de alguém em uma posição de poder, de influência? Assumir o risco, tentar o impossível? É como ser o maestro de uma orquestra onde os dois violinos principais se odeiam e tocam notas diferentes de propósito. O concerto será um desastre se ninguém intervir, mas a intervenção pode ser dolorosa.
As Ferramentas do Bom Mediador (ou a Falta Delas)
Um bom mediador precisa de mais do que boa vontade. Precisa de:
- Paciência de Jó: Afinal, você estará lidando com egos gigantes e narrativas inflexíveis.
- Neutralidade (percebida, pelo menos): Essa é a mais difícil. Como ser neutro quando um lado é claramente o agressor, ou quando seus próprios interesses estão em jogo?
- Criatividade para Soluções: Pensar fora da caixa, propor alternativas que nenhum dos lados imaginou.
- Resistência à Frustração: Porque haverá muita, mas muita frustração.
- Capacidade de Ouvir: Escutar não apenas o que é dito, mas o que não é dito, as dores e os medos por trás das palavras.
Pensando no caso dos “óleo e vinagre” globais, a falta de disposição para sentar à mesa ou, pior, a falta de um mediador que queira sentar à mesa, é um sintoma alarmante. Significa que o conflito é tão intratável, tão impregnado de ressentimento e desconfiança, que até mesmo os mais ousados evitam se queimar. É como a mãe que, depois de anos de brigas diárias dos filhos, simplesmente vira as costas e diz: “Se virem, eu não aguento mais.” Não é o ideal, mas é humano.
A Grande Geopolítica e Nossas Pequenas Batalhas Diárias
O que me intriga nessa história é como ela, de certa forma, espelha nossas próprias vidas. Quantas vezes a gente não se depara com situações onde duas pessoas, ou até grupos, são como “óleo e vinagre”? No trabalho, na família, entre amigos. Ideologias diferentes, personalidades chocantes, rancores antigos. E a gente, no meio, observando, ou, se for mais corajoso (ou mais tolo), tentando intervir.
Lembro de uma vez, num churrasco de família, onde meu tio e meu primo, que sempre tiveram uma relação meio tensa, começaram a discutir sobre política. De repente, o churrasco, que era pra ser leve, virou um campo de batalha. Eu, que amo uma paz, tentei desviar o assunto com um comentário sobre o time de futebol. Não deu certo. A coisa só acalmou quando a comida esfriou e a cerveja acabou. Às vezes, o tempo e o cansaço são os melhores mediadores.
A grande diferença, claro, é que as apostas em um churrasco de família são a paz temporária e talvez um pouco de azia. As apostas no conflito entre nações são vidas, territórios, a estabilidade global. Não dá para simplesmente esperar a cerveja acabar ou a comida esfriar.
A declaração de preferir não mediar, vinda de alguém que já ocupou a cadeira mais poderosa do mundo, pode ser interpretada de várias formas:
- Realismo Brutal: Uma constatação sincera de que o abismo é grande demais, as personalidades muito fortes e os interesses inconciliáveis.
- Estratégia de Distanciamento: Uma forma de não se comprometer com um desfecho incerto ou de não ser responsabilizado por um fracasso.
- Sinal de Alerta: Um grito de que a situação é tão grave que até um jogador experiente prefere ficar na plateia.
Seja qual for a intenção por trás da fala, ela nos força a refletir sobre a complexidade da paz e da guerra. Não é um jogo de tabuleiro com regras claras e um vencedor óbvio. É um emaranhado de emoções, histórias, interesses e, sim, personalidades que colidem como azeite e vinagre.
O Que Fazer Quando a Salada Não Mistura?
Então, qual é a lição que tiramos dessa metáfora da cozinha e da confissão de um ex-líder mundial? Talvez seja a de que nem todo conflito tem uma solução imediata, ou sequer uma solução que agradasse a todos. Algumas “saladas” estão destinadas a ter seus ingredientes separados, e o melhor que podemos fazer é tentar saborear o que dá para saborear, mesmo com a aversão mútua.
Não quer dizer que devemos desistir. Longe disso. Significa que a abordagem precisa ser mais inteligente, mais paciente, e talvez, mais humilde. Não se trata de forçar o azeite e o vinagre a se tornarem um, mas de encontrar um emulsificante que os mantenha juntos tempo suficiente para que a salada possa ser apreciada. Esse emulsificante pode ser um cessar-fogo por ajuda humanitária, um acordo temporário sobre fronteiras, ou a construção de canais de comunicação minimamente confiáveis.
A verdadeira arte da diplomacia, e talvez da vida, não é apenas resolver problemas, mas gerenciar incompatibilidades. É encontrar uma maneira de permitir que o “óleo e vinagre” coexistam sem explodir, mesmo que eles nunca se deem as mãos e dancem juntos. E talvez, só talvez, essa seja a forma mais realista de paz em alguns dos conflitos mais intratáveis do nosso mundo. A paz pode não ser a fusão completa, mas a aceitação da separação, com a promessa de não se atacarem mutuamente. E isso, por si só, já é um grande avanço.