Entre a Glória e as Lágrimas: O Futebol Feminino Mostrou (de Novo) o Que É Paixão de Verdade

Domingo. O sol do início da tarde entra pela janela e convida pra uma rede, pra um descanso. Mas hoje não. Hoje o inicio tarde era de tensão, de coração na boca e de olhos grudados na TV. Hoje era dia de final. E não uma final qualquer. São Paulo e Corinthians, cara a cara, decidindo o título do Brasileirão Feminino. Um “Majestoso” que, de majestoso, teve tudo.

O apito final soou há pouco e o barulho que ecoa é o da festa de um lado e o do silêncio respeitoso do outro. O Corinthians é campeão. Mais uma vez. E, enquanto a gente vê as jogadoras do Timão se abraçando, chorando de alegria, e as do São Paulo desabando no gramado, com lágrimas de um tipo bem diferente, uma coisa fica muito clara pra mim: o futebol feminino atingiu um patamar de entrega, rivalidade e emoção que não deve absolutamente nada a ninguém.

Eu sou suspeito pra falar. Acompanho a modalidade há um bom tempo, desde quando os jogos passavam em horários ingratos e os estádios ecoavam vazios. Ver um estádio lotado como o de hoje, com as duas torcidas cantando, se provocando, vivendo cada segundo… é uma vitória que vai muito além do placar.

Mais que um Jogo, um Espelho de Luta

É fácil cair na armadilha de analisar o jogo só pelos 90 minutos. Falar da tática, do gol perdido, da defesa salvadora. E a gente pode fazer isso. Podemos falar do Corinthians sendo letal, aproveitando a chance que teve com uma frieza de campeão. Podemos falar do São Paulo sendo valente, lutando até o último segundo, acertando a trave no finalzinho e fazendo uma nação inteira prender a respiração.

Mas o que me pega de verdade nesse futebol é a história por trás de cada uma daquelas atletas.

Diferente dos marmanjos milionários do futebol masculino, a grande maioria dessas mulheres teve que ouvir “não” a vida inteira. “Isso não é coisa de menina”. “Você não vai ter futuro com isso”. Tiveram que lutar por campos pra treinar, por uniformes, por um mínimo de respeito e estrutura. Cada uma delas ali, campeã ou vice, é uma sobrevivente. Uma pioneira.

Quando a gente vê a Tamires, do Corinthians, com a experiência de quem já viu de tudo, comandando a defesa, ou a Cristiane, do São Paulo, mesmo com toda a sua história na seleção, batalhando por cada bola como uma iniciante, a gente não tá vendo só atletas. A gente tá vendo símbolos. Símbolos de uma teimosia absurda, de uma paixão que venceu o preconceito, o descaso e a falta de investimento.

Lembro de uma vez, conversando com uma amiga que jogou bola na adolescência. Ela contou que o pai dela a proibia de ir para os treinos. Ela saía de casa escondida, com a chuteira dentro da mochila da escola. Ela disse: “Eu não jogava só pra fazer gol. Eu jogava pra provar que eu podia estar ali”. Acho que essa frase resume o espírito de muita gente que estava em campo hoje. Elas não jogam só pelo título; elas jogam pelo direito de estarem ali.

A Anatomia de um Clássico que Ferveu

Vamos falar do jogo em si, porque ele merece. Que partidaça, amigos!

O clima de final era palpável desde o primeiro segundo. A gente sentia a eletricidade no ar. Ninguém ali estava pra brincadeira.

  • A rivalidade à flor da pele: Cada dividida era uma final de Copa do Mundo. Cada lateral cobrado era um evento. A gente via a provocação no olhar, a vontade de não deixar a rival passar de jeito nenhum. Isso é a essência de um clássico. Não é ódio, é uma rivalidade esportiva que engrandece o espetáculo.
  • Momentos de pura genialidade: Vimos dribles que quebraram a cintura da marcadora, lançamentos que pareciam ter sido feitos com régua e compasso, e goleiras operando verdadeiros milagres. O nível técnico é altíssimo. Acabou aquele papo furado de quem ainda insiste em comparar com o masculino. É outro esporte, com outras valências, mas com a mesma dose de talento e beleza.
  • O fator emocional: O que decidiu o jogo, pra mim, foi o detalhe. Foi a capacidade do Corinthians de, talvez por estar mais acostumado a essas decisões, manter a cabeça no lugar no momento crucial. Fez o gol e soube se defender com uma organização impressionante. O São Paulo, empurrado por sua torcida, foi pura pressão e coração, mas a bola insistiu em não entrar. A trave, no último minuto, foi de uma crueldade poética que só o futebol pode proporcionar.

Essa montanha-russa de emoções é o que nos vicia nesse esporte. A esperança se transformando em agonia, o grito de gol engasgado na garganta, a alegria explosiva do campeão. Hoje, as corintianas comemoram. Mas as são-paulinas, apesar da dor, saem de cabeça erguida, porque fizeram uma campanha espetacular e valorizaram, e muito, a conquista das rivais.

O Que Fica Depois que as Luzes se Apagam?

Amanhã, a festa do título continua pra um lado, e a ressaca da derrota fica para o outro. Mas e pra gente? E para o futebol feminino como um todo? O que essa final significa?

Significa que o caminho é sem volta. O produto é bom, a história é poderosa e o público abraçou a causa. Não é mais “ajudar o futebol feminino”. É sentar pra assistir a um jogão de bola, ponto. É comprar a camisa da sua jogadora favorita, é discutir tática na mesa do bar, é levar seus filhos e filhas ao estádio pra ver essas mulheres incríveis em ação.

Ainda há muito a ser feito, claro. A diferença salarial ainda é um abismo. A estrutura na base precisa melhorar. A visibilidade na mídia, apesar de crescente, ainda pode ser muito maior. Mas finais como a de hoje são o melhor marketing que a modalidade poderia ter. Elas criam ídolos, inspiram novas meninas a sonhar e mostram para os patrocinadores e dirigentes que aqui existe um universo de potencial gigantesco.

No fim, quando vejo a festa das campeãs, não consigo pensar só no Corinthians. Eu penso na minha amiga que saía escondida pra treinar. Penso nas pioneiras dos anos 80 e 90, que jogavam em campos de terra por puro amor. Penso nas meninas que hoje, depois de assistir a esse jogaço, vão pegar uma bola e ir pro quintal, sonhando em um dia estar ali, debaixo daqueles refletores.

O Corinthians levantou a taça. Mas, hoje, de um jeito meio clichê, mas muito verdadeiro, quem venceu de goleada foi o futebol. E, quer saber? Foi uma vitória maiúscula. E que venha a próxima temporada. Estaremos aqui, na frente da TV, prontos para nos apaixonar tudo de novo.

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